segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Poemas - Fernando Pessoa

Como ontem postei a biografia de Fernando Pessoa e alguns poucos poemas de seus heterônimos, hoje sigo postando poemas do livro MENSAGEM.


O das quinas

"Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a gloria com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E filho o ungiu."


Ulisses

"O mito é o nada que é tudo.
mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo -
O corpo de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre."


D. Duarte
Rei de Portugal

"Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo.

Firme em minha tristeza, tal vivi.
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri."


A outra asa do grifo
Afonso de Albuquerque

"De pé, sobre os paises conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida u morte,
Tão poderoso que não quer o quanto
Pode, que o querer tanto
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha."


Horizonte

"Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praia e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flr o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de lnge a abstrata linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horiznte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade."


Mar Português

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não e pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."

==> Fonte: PESSOA, Fernando. MENSAGEM: obra poética I; organização, introdução e notas Jane Tutikian. - Porto Alegre: L&PM, 2008. 112 p.

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